segunda-feira, 30 de março de 2015

A velha discussão entre pontos corridos e mata-mata


Mais uma vez, dirigentes estão discutindo a sério a possibilidade de voltar a disputar o Campeonato Brasileiro no sistema de mata-mata. A proposta da vez é a seguinte: depois de todos os times se enfrentarem 2 vezes, como acontece hoje, haveria uma segunda fase, em mata-mata, envolvendo as 4 ou 8 melhores equipes. 

De cara, a ideia traz problemas práticos que são convenientemente ignorados. Primeiro, nenhum cartola explicou onde vai arranjar as 4-6 datas extras que seriam necessárias para implementar o novo regulamento. Será que encolheriam os Estaduais? Duvido. Outro problema é que a existência do playoff depois de uma longa primeira fase dá carta branca para os times que disputam a Libertadores poupem seus jogadores no começo do Brasileirão. Ou seja, em nome da “emoção”, desvaloriza-se ainda mais o torneio.

O motivo real para cartolas quererem a volta do mata-mata é saberem que essa é a única chance que muitos clubes teriam, hoje, de ganhar o Brasileirão. Não é coincidência que a proposta tenha partido do presidente do Grêmio, clube que não ganha nada relevante – nem em pontos corridos, nem no mata-mata – desde 2001.

O problema é que ninguém admite isso, e ainda aparece gente com aquele discursinho de que o mata-mata é mais emocionante e que o brasileiro gosta de emoção. Trata-se de uma dupla balela. Afinal, o brasileiro gosta de emoção? Claro! Assim como gostam os ingleses, alemães, espanhóis – e mesmo assim eles disputam o campeonato nacional em pontos corridos. Por que será?

O fato é que uma disputa por pontos corridos pode ser emocionante, sim, desde que haja equilíbrio entre as equipes. “Ah, mas às vezes não há, e o campeonato fica chato”. Isso é uma meia verdade, já que há outras coisas em disputa além do título. E acontece que, justamente nas edições menos equilibradas é que o mata-mata se torna mais odioso. Alguém (que não seja atleticano) acharia legal o Cruzeiro perder o título de 2014 para o Atlético-PR (26 pontos de diferença) por causa de um erro de arbitragem? Ou por ter um de seus craques contundido no dia do jogo decisivo? Ou por uma tarde inspirada de algum jogador do Furacão?

Além disso, é preciso analisar a sério essa suposta “emoção” do mata-mata. É indiscutível que as 4-6 rodadas eliminatórias do torneio têm boas chances de despertarem grandes emoções. Mas e as outras 38? E as primeiras 19, durante as quais a maioria dos times estarão envolvidos em outras competições? O preço para essa emoção na fase final é uma longa e tediosa primeira fase. Essa questão da emoção, aliás, já foi abordada em texto anterior do blog, que você pode ler aqui.

E não precisa ir longe para comprovar isso. Basta olhar para o atual Campeonato Mineiro. Os três primeiros colocados chegaram à última rodada com chances de ficar em 1º lugar. Fosse em pontos corridos, seria emocionante. Mas como o torneio tem mata-mata, a única disputa séria, agora, é para ver se Tombense ou América passará para a semifinal.

Esse não é um caso isolado. No Rio Grande do Sul, Grêmio e Inter só têm 1 ponto de diferença. Mas essa briga é praticamente irrelevante, já que 8 times vão para o mata-mata. No Rio de Janeiro, apenas 2 pontos separam os 4 primeiros, mas essa disputa só vale a simbólica Taça Guanabara. Em resumo, 3 dos 4 estaduais mais importantes do país perderam emoção por causa do mata-mata.


Se você ainda está em dúvida sobre qual modo de disputa é melhor para o Brasileirão, basta olhar para o exterior. Vejamos quais são os principais campeonatos nacionais disputados em pontos corridos. Nesse grupo, estão o Espanhol, o Inglês, o Italiano, o Alemão e o Francês. Agora, vejamos quais são os principais torneios nacionais disputados em mata-mata. Aqui, encontramos o Norte-Americano, o Mexicano, o Colombiano, o Chileno e o Sul-Coreano. Na companhia de quais desses torneios você preferiria estar?

“Mas a Libertadores, a Liga dos Campeões e a Copa do Mundo são disputados em mata-mata!”, dirá alguém. É verdade. Mas acontece que esses torneios só adotam essa fórmula porque contam com 32 equipes e no máximo 14 datas para as partidas. Assim, é impossível uma disputa em pontos corridos. Sem falar que é um sonho recorrente dos gigantes da Europa transformar a LC em um torneio com mais datas, jogando todos contra todos...

“Mas a NBA, a MLB, a NHL e a NFL também têm mata-mata!!!”. Outro argumento que não cola. Esportes diferentes, regulamentos diferentes. Ou alguém vai defender para o futebol uma primeira fase com 82 rodadas, seguida por mais 28 datas para os playoffs??? Melhor não dar ideia, porque tem muito cartola por aí que iria adorar...

12 comentários:

  1. A proposta do Romildo, Presidente do Grêmio, é baseada num calendário elaborado por mim em que ele aproveitou a estrutura que eu elaborei para o Campeonato Brasileiro na proposta dele.

    Em primeiro lugar vou te colocar um resumo da minha proposta que inclui mudanças na estrutura do futebol brasileiro. Não vou abordar a parte de criação e organização de uma Liga de Clubes, o papel da CBF, etc. Aqui será apenas sobre formatos de competições e datas.
    Obs: Colocarei a hipótese de um clube que ganha todas as competições, pois seria o número máximo de partidas que poderia jogar na temporada.

    Férias: junho (30 dias)
    Pré Temporada: Julho (30 dias)
    Parada de fim de ano: último domingo antes do dia 25 de dezembro ao 1º domingo depois do dia 4 de janeiro.

    Campeonato Brasileiro – De Agosto a Maio – 43 datas
    Nº equipes = 20
    1º Turno: todos contra todos. Os 4 primeiros colocado se classificam para a seminal do turno a ser disputada em partida única na casa do melhor classificado: 1º x 4º e 2º x 3º. Os vencedores fazem a final em partida única na casa do melhor classificado. O campeão classifica-se para a final geral.
    Total de datas: 21
    2º Turno: todos contra todos. Os 4 primeiros colocado se classificam para a seminal do turno a ser disputada em partida única na casa do melhor classifica: 1º x 4º e 2º x 3º. Os vencedores fazem a final em partida única na casa do melhor classificado. O campeão classifica-se para a final geral.
    Total de datas: 21
    Se um clube for o campeão dos dois turnos, ele é automaticamente campeão brasileiro.
    Se houver um campeão cada turno, haverá uma final em jogo único na casa do time de melhor campanha no geral. O vencedor é o campeão e o perdedor o vice campeão (essa duas posições independem da classificação geral).
    Do 3º colocado (2º colocado se um time for o campeão dos dois turnos) ao 20º colocado a definição se dá pela classificação geral.
    Os 4 últimos colocados na classificação geral serão rebaixados.
    Travas importante: Nenhum campeão de turno pode ser rebaixado, independentemente da pontuação geral.

    Libertadores - De setembro a Maio (14 datas)
    Posteriormente colocarei minha proposta

    Sulamericana - De setembro a Maio (14 datas)
    Posteriormente colocarei minha proposta

    Copa do Brasil - De Agosto a Maio (xx datas)
    Jogos em partida única definidas por (na casa do clube da menor divisão e em casos de confrontos de clubes da mesma divisão, sorteio). Clubes que disputam a Libertadores entram a partir das 16avos de final. Seriam 5 datas para os clubes envolvidos na Libertadores e xx (dependo do número de clubes inscritos na competição)
    Poderei detalher posteriormente.

    Mundial (2 datas)

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    1. Oi, Michel!

      Obrigado pelo tempo e pela atenção dedicados à resposta do meu texto! Acho que vale a pena eu fazer alguns comentários adicionais sobre a sua proposta. Primeiro, em relação ao calendário:

      Em termos de número de datas, a proposta não traz grandes mudanças – aumenta em 5 datas o Brasileiro e diminui em 3 a Copa do Brasil. A maior novidade seria, pelo que entendi, que Libertadores e Sul-Americana ocupariam as mesmas datas, certo? Outra coisa que não ficou clara é se a proposta manteria os Estaduais ou os extinguiria.

      Falando estritamente de calendário, considero sua proposta melhor do que o calendário atual (principalmente se acabar com os Estaduais). No entanto, acho impossível de ser implementada, devido a questões políticas. Na parte internacional, a existência de dois torneios de clubes em semestres separados é uma “exigência” da Argentina, apoiada por outros países que têm calendário dividido em duas partes. Seria até possível pressionar a Conmebol para uma mudança, mas duvido que a CBF tenha interesse em fazer isso. Sobre a possível extinção dos Estaduais, então... isso só vai acontecer (talvez) no dia em que se formar uma liga de clubes no Brasil.

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    2. Oi, Michel!

      Agora, gostaria de comentar sobre a fórmula de disputa proposta para o Campeonato Brasileiro.

      Em termos de “emoção”, a sua proposta é mais interessante do que aquela que eu imaginava que seria discutida. Dividindo-se o torneio em dois turnos, com um mata-mata no final de cada um, o marasmo da primeira fase fica diluído – mas ainda existe, e as duas fases iniciais ainda serão mornas, pois serão 19 rodadas (vezes 2) em que a principal disputa não acontecerá no 1º, mas sim, no 4º lugar.

      O que acontece é que essa fórmula de disputa torna ainda mais graves dois grandes problemas do mata-mata: a facilidade que um time medíocre tem para chegar ao título e o espaço que dá para que as melhores equipes priorizem outras competições.

      Nesse formato proposto, um time só precisa ficar entre os 4 primeiros de um turno para acessar o mata-mata e, em seguida, ser campeão. O que fez nas outras 21 rodadas não interessa. Considerando que o Brasileirão costuma ser equilibrado, isso significa que basta um time meia-boca embalar nas últimas 5 semanas (10 últimas datas) da temporada para poder ser campeão, jogando no lixo o trabalho de uma equipe que foi consistente ao longo de 41 rodadas, mas deu azar de perder um jogador importante por contusão na última semana. Na minha opinião (e isso é questão de opinião mesmo), não tem “emoção” que faça valer a pena o fato de o melhor time do país não ser o campeão nacional.

      O outro problema é decorrente do primeiro. Ao zerar os pontos no meio do campeonato, o regulamento dá carta branca para times que estão bem em outras competições desprezarem completamente o Campeonato Brasileiro – principalmente no primeiro turno. E o pior é que isso atinge principalmente os times mais fortes, que costumam ir mais longe na Libertadores e, ao mesmo tempo, têm mais elenco para “cozinhar” o Brasileirão na primeira fase, deixando para “dar um gás” só nas rodadas finais.

      Embora eu seja um ávido defensor dos pontos corridos, eu gostaria de destacar que a discussão sobre a fórmula de disputa nem de longe é a mais importante no atual cenário do futebol brasileiro. Seja qual for o regulamento, o público presente nos estádios continuará sendo medíocre, os melhores jogadores do país ainda irão para o exterior, e os clubes seguirão em situação falimentar. Essa discussão de mata-mata x pontos corridos, até por ser apaixonante, tem como consequência negativa o fato de tirar o foco dos reais problemas do futebol brasileiro.

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    3. Tomaz, eu respondi o seu post meio de sopetão e sem reler, então algumas coisas ficaram confusas.
      Na verdade eu fiz, por diversão e fanatismo, uma estrutura e um calendário para o futebol sulamericano, abordando a organização e estrutura de competições nacionais e continentais.
      Meu modelo não seria uma proposta para o ano que vem, por exemplo, afinal politicamente seria um negócio impossível. É apenas o que eu acharia o ideal.
      Os estaduais, que foram os principais campeonatos do país por cerca de 70 anos, seriam extintos (as federações cuidariam apenas do fomento e desenvolvimento do futebol, categorias de base e futebol amador).

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  2. Sobre questões mata-mata X pontos corridos:

    Você coloca como problema a facilidade de um time medíocre ser campeão. Eu já vejo isso como um ponto positivo. Afinal qual a chance do Sport, por exemplo, montar um time para ser o campeão brasileiro após 38 rodadas, recebendo R$ 150 milhões a menos que Corinthians e Flamengo de direitos de TV?

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    1. Oi, Michel,
      Realmente, nesse ponto, diferimos. A meu ver, o objetivo maior de um campeonato nacional é apontar o melhor time do país. Os pequenos podem ter uma chance de serem campeões na Copa do Brasil, por exemplo. Concordo que a distribuição de renda não é justa, mas não cabe à fórmula de disputa do Nacional corrigir esse tipo de distorção.

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  3. Sobre o problema de priorizar ou não outros campeonatos, acho que depende mais do encaixe no calendário do que do formato da competição. Hoje, nos pontos corridos, os times que estão na fases decisivas da Libertadores também abandonam as primeiras rodadas do campeonato brasileiro. Todos trocam uma campanha mediana no campeonato nacional pela possibilidade de título na Libertadores.

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  4. Não é só ficar entre os 4 primeiros de um turno. É ficar entre os 4 primeiros, vencer a semi final do turno, a final do turno e a final geral para ser campeão. E as outras 21 rodadas interessam sim, pois o clube tem a oportunidade de vencer o segundo turno e ser o campeão brasileiro. Por que não?

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Sobre a disputa ser pelo 4º lugar, discordo. A disputa será pelo 1º ao 4º lugar. Com semi finais e final em partidas únicas, na casa do time melhor colocado, o primeiro é uma grande vantagem. Como é mais vantagem ser segundo do que ser o terceiro, que é mais vantagem que ser o quarto. São vantagens na tabela a ponto de colocar emoção na disputa.

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  7. As duas fórmulas tem vantagens e desvantagens. O problema é que discutem o mata mata em cima das fórmulas que eram até 200 (20 e poucos times, jogando em turno único, classificando 8, com os outros deztantos ficando parados a partir de Outubro, com várias distorços. Aí não dá.
    Eu gostaria de ver mais times com menos poder econômico tendo a possibilidade de ser campeão e, no formato atual, não dá.
    Não dá pra se falar em campeão justo quando um recebe R$ 180 milhões e outro recebe R$ 30 milhões de direitos de TV.

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  8. Concordo plenamente que a discussão mata mata x pontos corridos é o menor dos problemas do futebol brasileiro que há inúmeras outras questões na frente. Quem sabe algum dia o comando do futebol brasileiro e sulamericano também fique nas mãos de quem realmente gosta de futebol, porque os que estão hoje gostam do poder e trabalham pra se manter lá.

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