Todo mês, veículos de comunicação aqui no Brasil dão
razoável destaque ao ranking de clubes divulgado pela IFFHS (Federação
Internacional de História e Estatísticas do Futebol). Na edição de novembro, o
destaque foi ainda maior, graças à presença do Santos no “top 10”.
Como fã de rankings de futebol, tal destaque me cause certo
incômodo, já que o ranking da IFFHS, na verdade, é muito ruim. Não consigo
acreditar que ninguém na imprensa brasileira perceba isso. Não por acaso, no
exterior, esse ranking recebe pouca ou nenhuma atenção.
Para não parecer mera implicância, dedico este post a
analisar o ranking da IFFHS, destacando seus três problemas centrais: 1. O
ranking não é objetivo; 2. Há falhas claras nos critérios; 3. Os resultados não
condizem com a realidade.
1. O ranking não é
objetivo
Em seu site, a IFFHS afirma que o ranking é “uma
classificação precisa que indica o real nível dos clubes, livre de qualquer
influência subjetiva”. No entanto, não é isso o que acontece na realidade. Para
entender o motivo, basta descobrir como o ranking é montado.
Resumidamente, é o seguinte: os times ganham pontos com base
nos resultados de suas partidas nos últimos 12 meses. Dependendo da competição,
o valor dos jogos varia. Por exemplo, uma vitória na Liga dos Campeões ou na
Libertadores vale 14 pontos; no Campeonato Brasileiro ou Inglês, vale 4; no
Português ou no Paraguaio, 3; nas copas nacionais, vale 1/3 do campeonato; e
assim em diante. Soma-se os pontos conquistados em todos os jogos e
classificam-se os times.
Pode-se dizer que o ranking é fortemente subjetivo porque
toda sua estrutura depende dos pesos que são atribuídos às competições
(principalmente quando são comparados times de continentes diferentes). Uma
mudança no peso de um torneio altera completamente as posições das equipes.
Para entender o problema, vejamos um exemplo simples. Hoje, a
IFFHS atribui o mesmo numero de pontos (14) aos jogos da Libertadores e da Liga
dos Campeões. Se fizéssemos o torneio sul-americano valer só 10 pontos, o
Santos perderia 40 e seria ultrapassado 11 clubes europeus (e talvez alguns
sul-americanos), caindo de 10º para 21º lugar.
Tão importante é a distribuição dos pesos que todos os 60
primeiros colocados disputam os campeonatos que a IFFHS considera ser os mais
fortes, dos “grupos 3 e 4” (o melhor do “grupo 2” é o Dinamo Zagreb, da
Croácia, em 61º). Times do “grupo 1” só começam a aparecer a partir do 303º
lugar (Garabagh Agdam, do Azerbaijão).
Ok, é óbvio que um time de um país inexpressivo não poderia
estar entre os melhores do mundo, mas a atribuição subjetiva de um peso baixo a
seu campeonato torna praticamente impossível que ele suba um dia. Explicando de
outra maneira: os times argentinos, na média, aparecem acima dos holandeses não
porque são melhores, mas sim porque foi atribuído a seu campeonato um valor
maior.
Olhando os pesos atribuídos às competições, não faltam
exemplos de decisões questionáveis: a Copa Uefa e a Copa Sul-Americana valem
85% da LC/Libertadores; as copas nacionais valem 1/3 dos campeonatos; pertencem
ao “grupo 4” os campeonatos de Espanha, Inglaterra, Alemanha, França, Itália,
Brasil e Argentina...
Na prática, cada pessoa que for consultada fará uma
distribuição diferente dos pesos e, consequentemente, obterá um ranking de
clubes completamente distinto.
2. Há falhas claras nos
critérios
Não é só na subjetividade de sua estrutura que o ranking da
IFFHS falha. Olhando com atenção os critérios para montagem do ranking,
percebe-se falhas que criam distorções na classificação.
O problema mais evidente é não haver ponderação sobre o
número de jogos que cada equipe faz. Em outras palavras, times que jogam
campeonatos mais longos têm vantagem sobre clubes de países com torneios mais
curtos. Problema semelhante diz respeito à pontuação das copas nacionais: em
países onde não há copa (caso da maioria dos sul-americanos), os times são
prejudicados.
Também é uma falha o fato de não haver “bônus de
performance”. Ou seja, times não ganham pontos por passarem de fase ou por
alcançar boa posição na classificação. Esse problema é particularmente grave
nos torneios de mata-mata. Na Libertadores, por exemplo, é perfeitamente
possível que o campeão ganhe menos pontos que uma equipe que só chegou até a
semifinal, se esta tiver conseguido muitas vitórias na primeira fase.
As explicações sobre o ranking no site da IFFHS também são
omissas em vários pontos. Por exemplo: os jogos de divisões inferiores são
considerados? Afinal, se o ranking cobre os últimos 12 meses, times
recém-promovidos deveriam ganhar alguma pontuação pelo período em que estiveram
na Segundona (e também pelos jogos de copas que disputaram). Ou será que não
deveriam?
3. Os resultados não
condizem com a realidade
Mesmo sendo subjetivo e tendo falhas, o ranking da IFFHS
ainda poderia ser relevante se apresentasse resultados consistentes. Mas esse
está longe de ser o caso.
A lista de novembro apresenta Barcelona, Real Madrid e
Manchester United nas três primeiras posições. Muito bom. Mas o bom-senso acaba
aí. O 4º colocado na lista é o Vélez Sársfield, que nem sequer chegou à final da
Libertadores. Outros absurdo: segundo o ranking, a LDU, do Equador, é melhor que
Milan, Tottenham e Arsenal.
Mesmo considerando separadamente cada continente, onde a
comparação poderia ser mais bem-feita, há falhas gritantes. Na América do Sul,
a Universidad Católica (chegou até as quartas na Libertadores) está na frente
do Santos; na Europa, o Twente é melhor que o Milan. Até dentro de países há
disparidades incríveis: entre os ingleses, o Stoke supera o Chelsea no ranking!
Todos esses problemas aparecem só entre os 30 primeiros.
Mais para baixo, as incoerências tornam-se ainda maiores. E olha que a lista
traz 400 equipes! Afinal de contas, que base pode haver para se dizer se o
Inverness Caledonian Thistle é melhor ou pior que o T&T Hanói? (segundo a
IFFHS, os escoceses são ligeiramente melhores)
As incoerências do ranking da IFFHS ajudam a deixar claro um
fato: é impossível montar um ranking mundial de clubes, de forma objetiva. O
problema é que praticamente não há confrontos entre times de diferentes
continentes – só uns poucos amistosos de pré-temporada e meia dúzia de partidas
no Mundial de Clubes. Assim, não há como medir a diferença técnica entre
equipes de confederações distintas.
Rankings continentais de clubes são factíveis, mas é difícil
eliminar a subjetividade na ponderação de forças dos campeonatos nacionais. Pensando
nisso, analisarei, em textos futuros, outros rankings famosos, como o de
seleções da Fifa, e o de clubes da Uefa.
Excelente análise, como de costume. Dessa vez, assino embaixo cada palavra.
ResponderExcluirOtimo texto, so uma correção.
ResponderExcluirNa frase abaixo você diz que irá avaliar DOIS problemas centrais, mas no texto e na frase mesmo você fala de 3.
Para não parecer mera implicância, dedico este post a analisar o ranking da IFFHS, destacando seus dois problemas centrais: 1. O ranking não é objetivo; 2. Há falhas claras nos critérios; 3. Os resultados não condizem com a realidade.
Ops, falha minha!
ExcluirJá fiz a correção.