sábado, 5 de novembro de 2011

Análise: o Ranking de Clubes da IFFHS


Todo mês, veículos de comunicação aqui no Brasil dão razoável destaque ao ranking de clubes divulgado pela IFFHS (Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol). Na edição de novembro, o destaque foi ainda maior, graças à presença do Santos no “top 10”.

Como fã de rankings de futebol, tal destaque me cause certo incômodo, já que o ranking da IFFHS, na verdade, é muito ruim. Não consigo acreditar que ninguém na imprensa brasileira perceba isso. Não por acaso, no exterior, esse ranking recebe pouca ou nenhuma atenção.

Para não parecer mera implicância, dedico este post a analisar o ranking da IFFHS, destacando seus três problemas centrais: 1. O ranking não é objetivo; 2. Há falhas claras nos critérios; 3. Os resultados não condizem com a realidade.

1. O ranking não é objetivo

Em seu site, a IFFHS afirma que o ranking é “uma classificação precisa que indica o real nível dos clubes, livre de qualquer influência subjetiva”. No entanto, não é isso o que acontece na realidade. Para entender o motivo, basta descobrir como o ranking é montado.

Resumidamente, é o seguinte: os times ganham pontos com base nos resultados de suas partidas nos últimos 12 meses. Dependendo da competição, o valor dos jogos varia. Por exemplo, uma vitória na Liga dos Campeões ou na Libertadores vale 14 pontos; no Campeonato Brasileiro ou Inglês, vale 4; no Português ou no Paraguaio, 3; nas copas nacionais, vale 1/3 do campeonato; e assim em diante. Soma-se os pontos conquistados em todos os jogos e classificam-se os times.

Pode-se dizer que o ranking é fortemente subjetivo porque toda sua estrutura depende dos pesos que são atribuídos às competições (principalmente quando são comparados times de continentes diferentes). Uma mudança no peso de um torneio altera completamente as posições das equipes.

Para entender o problema, vejamos um exemplo simples. Hoje, a IFFHS atribui o mesmo numero de pontos (14) aos jogos da Libertadores e da Liga dos Campeões. Se fizéssemos o torneio sul-americano valer só 10 pontos, o Santos perderia 40 e seria ultrapassado 11 clubes europeus (e talvez alguns sul-americanos), caindo de 10º para 21º lugar.

Tão importante é a distribuição dos pesos que todos os 60 primeiros colocados disputam os campeonatos que a IFFHS considera ser os mais fortes, dos “grupos 3 e 4” (o melhor do “grupo 2” é o Dinamo Zagreb, da Croácia, em 61º). Times do “grupo 1” só começam a aparecer a partir do 303º lugar (Garabagh Agdam, do Azerbaijão).

Ok, é óbvio que um time de um país inexpressivo não poderia estar entre os melhores do mundo, mas a atribuição subjetiva de um peso baixo a seu campeonato torna praticamente impossível que ele suba um dia. Explicando de outra maneira: os times argentinos, na média, aparecem acima dos holandeses não porque são melhores, mas sim porque foi atribuído a seu campeonato um valor maior.

Olhando os pesos atribuídos às competições, não faltam exemplos de decisões questionáveis: a Copa Uefa e a Copa Sul-Americana valem 85% da LC/Libertadores; as copas nacionais valem 1/3 dos campeonatos; pertencem ao “grupo 4” os campeonatos de Espanha, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Brasil e Argentina...

Na prática, cada pessoa que for consultada fará uma distribuição diferente dos pesos e, consequentemente, obterá um ranking de clubes completamente distinto.

2. Há falhas claras nos critérios

Não é só na subjetividade de sua estrutura que o ranking da IFFHS falha. Olhando com atenção os critérios para montagem do ranking, percebe-se falhas que criam distorções na classificação.

O problema mais evidente é não haver ponderação sobre o número de jogos que cada equipe faz. Em outras palavras, times que jogam campeonatos mais longos têm vantagem sobre clubes de países com torneios mais curtos. Problema semelhante diz respeito à pontuação das copas nacionais: em países onde não há copa (caso da maioria dos sul-americanos), os times são prejudicados.

Também é uma falha o fato de não haver “bônus de performance”. Ou seja, times não ganham pontos por passarem de fase ou por alcançar boa posição na classificação. Esse problema é particularmente grave nos torneios de mata-mata. Na Libertadores, por exemplo, é perfeitamente possível que o campeão ganhe menos pontos que uma equipe que só chegou até a semifinal, se esta tiver conseguido muitas vitórias na primeira fase.

As explicações sobre o ranking no site da IFFHS também são omissas em vários pontos. Por exemplo: os jogos de divisões inferiores são considerados? Afinal, se o ranking cobre os últimos 12 meses, times recém-promovidos deveriam ganhar alguma pontuação pelo período em que estiveram na Segundona (e também pelos jogos de copas que disputaram). Ou será que não deveriam?

3. Os resultados não condizem com a realidade

Mesmo sendo subjetivo e tendo falhas, o ranking da IFFHS ainda poderia ser relevante se apresentasse resultados consistentes. Mas esse está longe de ser o caso.

A lista de novembro apresenta Barcelona, Real Madrid e Manchester United nas três primeiras posições. Muito bom. Mas o bom-senso acaba aí. O 4º colocado na lista é o Vélez Sársfield, que nem sequer chegou à final da Libertadores. Outros absurdo: segundo o ranking, a LDU, do Equador, é melhor que Milan, Tottenham e Arsenal.

Mesmo considerando separadamente cada continente, onde a comparação poderia ser mais bem-feita, há falhas gritantes. Na América do Sul, a Universidad Católica (chegou até as quartas na Libertadores) está na frente do Santos; na Europa, o Twente é melhor que o Milan. Até dentro de países há disparidades incríveis: entre os ingleses, o Stoke supera o Chelsea no ranking!

Todos esses problemas aparecem só entre os 30 primeiros. Mais para baixo, as incoerências tornam-se ainda maiores. E olha que a lista traz 400 equipes! Afinal de contas, que base pode haver para se dizer se o Inverness Caledonian Thistle é melhor ou pior que o T&T Hanói? (segundo a IFFHS, os escoceses são ligeiramente melhores)

As incoerências do ranking da IFFHS ajudam a deixar claro um fato: é impossível montar um ranking mundial de clubes, de forma objetiva. O problema é que praticamente não há confrontos entre times de diferentes continentes – só uns poucos amistosos de pré-temporada e meia dúzia de partidas no Mundial de Clubes. Assim, não há como medir a diferença técnica entre equipes de confederações distintas.

Rankings continentais de clubes são factíveis, mas é difícil eliminar a subjetividade na ponderação de forças dos campeonatos nacionais. Pensando nisso, analisarei, em textos futuros, outros rankings famosos, como o de seleções da Fifa, e o de clubes da Uefa.

3 comentários:

  1. Excelente análise, como de costume. Dessa vez, assino embaixo cada palavra.

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  2. Otimo texto, so uma correção.

    Na frase abaixo você diz que irá avaliar DOIS problemas centrais, mas no texto e na frase mesmo você fala de 3.


    Para não parecer mera implicância, dedico este post a analisar o ranking da IFFHS, destacando seus dois problemas centrais: 1. O ranking não é objetivo; 2. Há falhas claras nos critérios; 3. Os resultados não condizem com a realidade.

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